sábado, 16 de maio de 2015

O guia do mochileiro das galáxias e a satirização do homem por Douglas Adams



“Praticamente Inofensiva”. É assim que o Guia do Mochileiro das Galáxias define a Terra – e só.

 O Guia do Mochileiro das Galáxias é conhecido também como o primeiro volume da trilogia de cinco livros criada pelo grande autor, Douglas Adams. Nestas obras, Douglas demonstra uma sátira rasgante sobre o homem – quanto ao seu modo de agir, às suas implicações e complicações em assuntos simples – e a sociedade, sobre a política, a burocracia e o valor a coisas supérfluas.

“Os homens sempre se consideraram mais inteligentes que os golfinhos, porque haviam criado tanta coisa – a roda, NY, as guerras, etc – enquanto os golfinhos só sabiam nadar e se divertir. Porém, os golfinhos, por sua vez, sempre se acharam muito mais inteligentes que os homens exatamente pelos mesmos motivos.”

 O texto contém spoiler.

 O autor nos presenteia com um rico trabalho carregado de lições e verdades sobre o homem e a sociedade, disfarçadas (às vezes nem tanto) numa escrita singular cheia de ironia e graça. Logo no início do livro, há um prólogo que ‘de cara’ faz uma crítica ao homem e sua facilidade no trato da inversão de valores:

“Este planeta tem – ou melhor, tinha – o seguinte problema: a maioria de seus habitantes estava quase sempre infeliz. Foram sugeridas muitas soluções para esse problema, mas a maior parte delas dizia respeito basicamente à movimentação de pequenos pedaços de papel colorido com números impressos, o que é curioso, já que no geral não era os tais pedaços de papel colorido que se sentiam infelizes.”

Somente neste trecho já é possível perceber a crítica que Douglas se propõe a fazer. Os homens quase sempre se sentem infelizes, e apesar de várias soluções, as que mais são consideradas, envolvem a movimentação de dinheiro, sendo que o próprio dinheiro não é infeliz. Ou seja, o homem, buscaria “movimentar” o dinheiro, para encontrar a sua felicidade, ao invés de movimentar-se para ser feliz.

E o livro se inicia com Arthur Dent, que terá a casa demolida – e não só a sua casa, mas como também o planeta todo – para a construção de uma via. Ele por sorte descobre que seu melhor amigo, Ford Prefect, é um alienígena que estava buscando informações para o Guia do Mochileiro das Galáxias, e ele o salva da destruição. Eles se salvam quando Ford ativa um equipamento e os dois pegam carona na nave de Vogons, que é a responsável pela destruição do nosso planeta para a construção de uma via do hiperespaço. O autor, então, usa de outra crítica para uma das características humana, só que focada em outra raça alienígena – mas nem por isso a crítica deixa de nos atingir -, a burocracia.

 O que o Guia do Mochileiro das Galáxias diz à respeito dos Vogons:

“Frota de Construção Vogon. Você quer pegar uma carona com vogons? Pode desistir. Trata-se de uma das raças mais desagradáveis da Galáxia. Não chegam a ser malévolos, mas são mal-humorados, burocráticos, intrometidos e insensíveis. Seriam incapazes de levantar um dedo para salvarem suas próprias avós da Terrível Besta Voraz de Traal sem antes receberem ordens expressas através de um formulário em três vias, enviá-lo, devolvê-lo, pedi-lo de volta, perde-lo, encontra-lo de novo, abrir um inquérito a respeito, perde-lo de novo e finalmente deixa-lo três meses sob um monte de turfa, para depois recicla-lo como papel para acender fogo.”

Mas não apenas criticando as ações e os valores deturpados do homem, Adams critica também coisas que consideramos belas, e não materiais, como a poesia, mas não o fato da poesia em si, mas sim, o fato de as julgarmos – as boas – como “universais”, ou como se nunca pudessem ser superadas.

 “A poesia vogon é, como todos sabem, a terceira pior do Universo. Em segundo lugar vem a poesia dos azgodos de Kria. Durante um recital que seu Mestre Poeta, Gruntos, o Flatulento, leu sua “Ode ao pedacinho de massa de vidraceiro verde que encontrei no meu sovaco numa manhã de verão”, quatro pessoas na plateia morreram de hemorragia interna, e o presidente do Conselho Centro-Galáctico de Marmelada Artística só conseguiu sobreviver roendo uma de suas próprias pernas completamente.

[…]

A pior poesia de todas desapareceu com sua criadora, Paula Nancy Millstone Jennings, de Greenbridge, Essex, Inglaterra, com a destruição do planeta Terra.”

Como pode ser notado, Douglas Adams critica a poesia terrena. Por mais que Paula Nancy Millstone Jennings não seja, com esse nome, uma personagem real, ele demonstra como a poesia da Terra, que é uma das grandiosidades do ser humano, a meu ver, pode ser a pior do Universo. Por que? Para mostrar como, às vezes, há a pretensão de se acreditar que o que é feito aqui é grandioso, sem comparação ao que pode acontecer ou ser feito ou criado lá fora, no Universo.

 E o autor não para por aí. No primeiro livro, ainda, com aproximadamente 155 páginas (na versão econômica), Douglas Adams vai mais longe e, se fosse lido pelos cantos afora, não atingiria somente a nós, mas também a todos outros seres viventes no Universo: a questão referente à vida, o universo e tudo mais. Em toda a complexidade do livro, Douglas apresenta a simplicidade. A resposta para a questão referente à vida, o universo e tudo mais é 42. Quarenta e dois. Ninguém entende o porquê da resposta, exatamente pelo que o computador criado para calcular a resposta, o Pensador Profundo, diz:

 “- A pergunta não foi fácil – disse o Pensador Profundo, com modéstia.

– Quarenta e dois! – berrou Loonquawl – É tudo o que você tem a nos dizer depois de sete milhões e quinhentos mil anos de trabalho?

– Eu verifiquei cuidadosamente – disse o computador -, e não há dúvida de que a resposta é essa. Para ser franco, acho que o problema é que vocês jamais souberam qual é a pergunta.

– Mas era a Grande Pergunta! A Questão Fundamental da Vida, o Universo e Tudo Mais – gritou Loonquawl.

– É – disse o Pensador Profundo, com um tom de voz de quem tem enorme paciência para aturar pessoas estúpidas -, mas qual é exatamente a pergunta?

            […]

– Bem, você sabe, é simplesmente tudo… tudo… – começou Phouchg, vacilante.

– Pois é! – disse o Pensador Profundo. – Assim, quando vocês souberem qual é exatamente a pergunta, vocês saberão o que significa a resposta.”

Isso seria uma crítica geral. Todos querem uma resposta, mas nem ao menos sabem o que perguntar. Reforça somente a crítica de como todos os seres seriam ignorantes procurando respostas ao passo que não têm nem as perguntas. Outro resquício de ignorância, mostrado principalmente em relação ao homem, é a forma que Ford Prefect e os outros Alienígenas – como seu amigo e Presidente da Galáxia, Zaphod Beeblebrox – tratam Arthur Dent, que é constantemente ironizado e ridicularizado por suas perguntas em relação a questões relativamente simples e o seu querer complicar as coisas simples. Um personagem marcante quanto a essa questão, é o androide paranoide Marvin. Com capacidade de raciocínio e personalidade humana e, exatamente por isso, com sua grande habilidade de formular perguntas, o robô é altamente depressivo. Daí ressalta-se a simplicidade e o “como muitas perguntas podem fazer mal, caso não se encontre as respostas”, ou como várias respostas que podem não ser satisfatórias fazem mal, não só para você mas para os outros.

Há quem se lembre da cômica situação decorrente do diálogo entre Marvin e a nave que, no fim das contas, tinha a aparência “anormalmente escura e silenciosa”.

 “ -Aquela nave me odiava – disse, apontando para a nave policial.

– Aquela nave? Perguntou Ford, subitamente animado. – O que aconteceu com ela? Você está sabendo?

– Ela passou a me detestar porque falei com ela.

– Você já falou com ela? Como assim?
– Muito simples. Eu estava muito entediado e deprimido, e aí me liguei na entrada externa do computador. Conversei por muito tempo com o computador e expliquei a ele minha concepção do Universo – disse Marvin.

– E o que aconteceu? – insistiu Ford

– Ele se suicidou – disse Marvin, e foi caminhando em direção à nave Coração de Ouro.”

Uma crítica quanto à política, é sobre Zaphod ser o presidente da galáxia. Ele é bem direto no que diz e não é justo eu escrever mais sobre, enquanto Douglas já o faz em sua totalidade:

“O Presidente, em particular, é simplesmente uma figura pública: não detém nenhum poder. Ele é aparentemente escolhido pelo governo, mas as qualidades que ele deve exibir nada têm a ver com a liderança. Ele deve é possuir um sutil talento para provocar indignação.

                        […]

Não cabe a ele exercer o poder, e sim desviar a atenção do poder.”

Isso tudo em um livro com pouco mais de 150 páginas.

No livro, Arthur – após longa viagem na nave Coração de Ouro com Zaphod, Ford e Trillian – encontra Slartibartfast, um arquiteto que faz planetas encomendados. Ele dá uma revelação ao protagonista, mostrando que os ratos fazem experiências em nós, e não o contrário – mostrando, mais uma vez, o quanto estamos enganados quanto a nossa superioridade. O arquiteto também diz que recebeu um prêmio pelos litorais da Noruega, e se orgulha disso. Noruega seria considerado por muitos um lugar bem remoto e com bonitas paisagens, até, mas também há tantos outros lugares belos em nosso planeta – ou possivelmente em outros -, então, por que a Noruega? Talvez não fôssemos tão inúteis e minúsculos assim, percebe-se.

E isso é um fato que se retoma no final do livro. No início, Douglas apresenta Arthur como um homem que terá a casa demolida para a construção de uma via na Terra, e, logo após, ele apresenta que a Terra será destruída para uma via híperespacial, mostrando uma analogia de que, por mais que a Terra seja importante, ela ainda é uma casa, e assim como Arthur Dent, sentiu-se triste por perder a sua casa, todos os humanos também se sentiriam semelhantemente a ele ao perder a casa. Além deste citado, um fato descoberto por Arthur é que a Terra é um computador encomendado por ratos, onde nós, humanos, tínhamos o trabalho de descobrir a questão relacionada à vida, o universo e tudo mais.

Então, afinal de contas, nós, humanos, não seríamos tão inúteis e pequenos, como as sátiras demonstram. Douglas se propõe a demonstrar que apesar de todas essas imperfeições, idiotices, lerdezas e inutilidades, o homem tem sim, sua importância perante todo o Universo.

Essas analogias foram todas feitas em referência ao primeiro livro de Douglas Adams – O Guia do Mochileiro das Galáxias. Mas há menções honrosas de ótimas sacadas feitas por Douglas na trilogia.

Uma é quando ele cita uma bela nave, grande, bonita, e que causava apenas aquilo para qual foi feita: inveja. Mostrando que muitas vezes, coisas são feitas não para atender uma necessidade, mas apenas para se mostrar superficialmente para os outros.

Um exemplo é tornar o Homem que Rege o Universo, no segundo livro “O restaurante no fim do Universo”, um cético pirrônico, cuja matéria já foi postada especialmente explicitando e explicando esse caso: http://literatortura.com/2012/05/”O homem que rege o universo ceticismo e Douglas Adams” e uma pequena correção nessa mesma matéria: “Sobre pirronismo e a suspensão de juizo: uma retratação na matéria sobre Douglas Adams.” , sendo a correção, também, muito interessante.

Portanto, percebe-se que Douglas não somente consegue criar situações engraçadas, inesperadas, que chegam a beirar o non-sense, mas também há uma crítica que atinge a todos nós, e algumas delas chegariam a atingir seres de outras galáxias se existirem, e além da crítica, diz a importância do homem para com o planeta e o Universo, afinal, se não teria importância, por que valeria à pena criticar?

Deixo vocês, agora, com uma breve análise sobre as grandes civilizações feita por Douglas Adams e sempre lembrando: NÃO ENTRE EM PÂNICO.

 “A história de todas as grandes civilizações galácticas tende a atravessar três fases distintas e identificáveis – as da sobrevivência, da interrogação e da sofisticação, também conhecidas como as fases do como, do por que e do aonde. Por exemplo, a primeira fase é caracterizada pela pergunta: Como vamos poder comer? A segunda, pela pergunta: Por que comemos? E a terceira, pela pergunta: Aonde vamos almoçar?



Fonte: Literatortura

Nenhum comentário:

Postar um comentário