quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Pierre Clastres: A Sociedade Contra o Estado.


A tese que atravessa essa coletânea de textos é que a sociedade pode prescindir do Estado, ou seja, não necessita de sua existência. Para Pierre Clastres, isso pode ser verificado empiricamente na experiência de boa parte das sociedades indígenas da América do Sul.
O autor faz críticas às abordagens evolucionistas, pois, segundo ele, as formas políticas não evoluem linearmente das sociedades “sem” estado ou primitivas, para as sociedades “com” estado ou avançadas. No que diz respeito às sociedades indígenas, o fato de não possuírem Estado é uma opção em nome da liberdade, expressa no seu pensamento e cultura, e não prova de seu “primitivismo”.
Foi a partir de suas pesquisas de campo (etnografia) entre os Guayaki, Guarani, Chulupi, Yanomami e os Guaranis mbyá que Clastres passou a defender esta tese. Nessas pesquisas ele observou que o chefe indígena não é um indivíduo que tem mais poder que os outros ou oprime os outros pela força, mas tão somente aquele que pode dar e sabe falar.
O chefe indígena é prisioneiro do grupo, pois não possui mais poder que o restante. Apesar de ter privilégios como a poliginia (casar com mais de uma mulher) está submetido a uma série de obrigações, sendo que as mais importantes são a generosidade e a fala. Sua fala reúne os homens ao seu redor, mas não tem poder de mando, sendo ineficaz para coopta-los ou persuadi-los. Ele é impedido de concentrar o poder pela própria sociedade, essa sim, detentora de todo o poder. Além disso, esse poder do grupo permanece sempre difuso ou espalhado, impedindo a constituição de uma esfera política separada, ou seja, o Estado.
Por esses parâmetros as sociedades indígenas deixam de ser tomadas como infância das sociedades modernas, cuja organização política seria mais complexa e por isso “superior”. As sociedades indígenas não são simplesmente sociedades “sem” Estado, mas sim sociedades “contra” o Estado. Isto é, reconhecem a possibilidade de emergência de um poder político atrelado ao exercício da coerção e violência, e o recusam em nome da liberdade.
A violência nas sociedades indígenas não é monopolizada pelo Estado, mas controlada pela própria sociedade. Os ritos de iniciação, fortemente marcos pela intervenção no corpo e pela dor, são mecanismos de inscrição da lei e memória social nos indivíduos.
Um exemplo interessante pode ser encontrado no pensamento dos Guaranis: esses identificam o Mal com a figura do Um, que para Clastres representa a centralização política ou do Estado. Para o autor, essa sociedade vive ameaçada pela emergência do Estado devido a fatores como o crescimento demográfico ou do surgimento de profetas.
O profeta, assim como o chefe, fala, porém sua fala não anuncia um mero dever e tão pouco é vazia, mas apresenta uma situação inevitável, como o fim dos tempos, ou uma utopia, como a Terra sem Mal. Ao adquirir poder de mando e persuasão, o profeta pode concentrar poder caso não seja impedido pela sociedade, o que representando uma possibilidade de surgimento do Estado.
Em síntese, para Clastres podemos aprender muito sobre nossa sociedade ao compreender as sociedades indígenas. Se nós optamos por viver sob o julgo de um Estado, subordinados a sua coerção, os índios decidiram do contrário. As sociedades ameríndias são aquelas que recusam a subordinação, por isso controlam seus chefes, que não impõe leis nem executam sanções. Isso não significa uma sociedade desorganizada, pelo contrário, a sociedade se organiza a ponto de impedir o surgimento do Estado. O que distingue os ameríndios das sociedades ocidentais é sua capacidade de contornar, sempre que possível, a concentração do poder.


Bibliografia:
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. Disponível em: http://www.4shared.com/get/C5lZAn7s/Pierre_Clastres_-_Sociedade_co.html
________________. Arqueologia da violência: pesquisas de antropologia política. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.


Fonte: http://sociologiaemrede.blogspot.com.br

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