sexta-feira, 17 de julho de 2015

Acordo histórico no Oriente Médio: Bom para EUA e Irã, ruim para Israel

 Hassan Rouhani presidente do Irã.


Estou abrindo mais um leque aqui no blog, não só falarei de História (minha profissão e paixão) de agora em diante também falarei sobre Atualidades, |Geopolítica e Relações Internacionais, começando com o acordo histórico de um dos países mais fechados do Oriente Médio, o Irã veja a reportagem completa do site Opera Mundi:

Após três adiamentos do prazo para a elaboração do texto final de um acordo sobre o programa nuclear do Irã, o P5+1, grupo que reúne EUA, Rússia, China, França, Reino Unido, Alemanha e a União Europeia, anunciou na segunda-feira (14/07) ter chegado a um consenso. Os termos técnicos do acordo seguem o parâmetro do que foi discutido em Lausanne, no último mês de abril. As dúvidas permaneciam sobre como esses parâmetros seriam fiscalizados, quais as eventuais represálias por descumprimento do documento e as também possíveis benesses da negociação. Com o texto final anunciado e celebrado, é possível analisar quem perdeu e quem venceu com o que foi acordado em Viena.

Os pontos principais do acordo são, resumidamente, a redução e limitação do número de centrífugas para enriquecimento de urânio do Irã, além da limitação da capacidade de suas centrífugas existentes. A limitação do estoque de urânio também sofrerá cortes na capacidade de enriquecimento. Além disso, há o desmantelamento do atual reator nuclear de Arak e substituição por um modelo menos capaz de geração de plutônio. Finalmente, permissão de inspeções da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) em todas as instalações conhecidas e em “qualquer local suspeito”, segundo Barack Obama. O linguajar técnico e a necessidade de minúcias teria sido uma das razões para a demora na elaboração de um texto final considerado “seguro”, não apenas politicamente, mas também por cientistas.

As contrapartidas são o fim das sanções que o Irã sofre tanto dos EUA, quanto da ONU e da UE. Elas são vinculadas aos cumprimentos das demandas citadas, progressivamente. Também são vinculadas ao cronograma estabelecido, de acordo com cada tema, podendo ter um prazo de carência. Por exemplo, sanções sobre comércio de armamento possuem uma carência de cinco anos e sanções sobre mísseis balísticos possuem uma carência de oito anos. As sanções podem ser reaplicadas em até sessenta e cinco dias, pelo Conselho de Segurança da ONU, caso o Irã seja denunciado por descumprir o acordo. Isso foi feito com um mecanismo sem precedentes, que estabeleceu que as antigas sanções prevaleceriam novamente, sem a necessidade de novas deliberações e o risco de vetos ou travamento de agenda.

Vencedores: Obama e Rouhani


O acordo foi anunciado com uma declaração escrita do P5+1, além de entrevistas coletivas dos negociadores e anúncios em vídeo de Barack Obama e de Hassan Rouhani, presidente iraniano. Ambos, Obama e Rouhani, são os dois maiores vencedores com o acordo de Viena. Obama fez um anúncio de quinze minutos sobre o tema, acompanhado do vice, Joe Biden, que permaneceu o tempo todo em silêncio atrás do mandatário. O discurso foi tanto voltado para o mundo quanto para o público doméstico. Obama colocou seu país e seu governo como “líder do mundo unido” para um Oriente Médio — a região “mais volátil” do mundo — mais estável.

Obama afirmou que o acordo não é sedimentado em confiança, mas em verificação. A frase de efeito rapidamente ecoou pelos meios de comunicação, reafirmando a imagem de Obama como um líder mundial em diplomacia e diálogo, mas também com a mão firme. Mão firme também demonstrada ao dizer que vetaria qualquer tentativa do Congresso de interferir no acordo, aproveitando a ocasião para elogiar publicamente outros membros de seu governo, considerando as eleições do ano que vem. Obama também insistiu na ideia de que deseja uma grande discussão sobre o acordo, com participação de todos os partidos. Principalmente, focou no futuro, citando mais de uma vez como um “futuro presidente” poderia lidar com o atual acordo. O legado do Obama líder, que coloca “a América” em seu papel de protagonismo.

Obama também pode construir a obtenção de um novo aliado contra o autointitulado Estado Islâmico; no caso, o outro vencedor de Viena, o Irã. O país passa atualmente por uma crise de abastecimento e de infraestrutura, forçada pelas sanções. Caso cumpra, dentro do prazo, tudo o que foi acordado, no início de 2016 o país terá mais de US$ 100 bilhões descongelados no exterior e poderá voltar ao papel de um dos principais fornecedores de petróleo e de gás do mundo. O Irã pode, em curto prazo, vivenciar um boom econômico, além dos benefícios políticos de deixar de ser visto como um Estado isolado ou belicoso. No médio prazo, pode voltar ao mercado de armamentos e retomar o desenvolvimento de foguetes, a versão civil dos mísseis balísticos.

Um Irã recuperado econômica e militarmente retornaria plenamente ao posto de potência regional, um ator geopolítico de peso no Oriente Médio. Como dito, um eventual aliado importante contra o EI, inclusive em defesa de seu próprio projeto de influência xiita, em apoio, por exemplo, ao Hezbollah no Líbano. Algo diretamente relacionado aos dois perdedores com o acordo. O primeiro é a monarquia saudita: a Arábia Saudita é a potência regional antagônica ao Irã, com sua atuação sunita consolidada em quase todos seus vizinhos, incluindo os países do Golfo Pérsico, citados por Obama. A monarquia absolutista é virtualmente absoluta militarmente e conta também com um programa de mísseis balísticos, além de estar em conflito com milícias apoiadas pelo Irã no Iêmen e de ter financiado o rearmamento do Líbano para eventualmente conter o Hezbollah.

Israel isolada

Se a Arábia Saudita viu ressurgir seu principal rival, Israel ficou politicamente isolado. O país também foi citado no pronunciamento de Obama, provavelmente mais preocupado com o impacto eleitoral das relações entre EUA e Israel. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu passou os últimos anos condenando e tentando minar as negociações com o Irã, incluindo seu mais recente pronunciamento na Assembleia-Geral da ONU, agressivo e direcionado especificamente ao Irã. Após o anúncio do acordo, Netanyahu afirmou que se tratava de um “erro histórico”, fruto de uma política dissimulada do Irã para conseguir armamento nuclear. Netanyahu critica até mesmo um eventual programa enérgico do Irã, algo permitido pelo Tratado de Não Proliferação, do qual o país islâmico é signatário.

Netanyahu acumulou uma década condenando de forma intempestiva qualquer negociação com o Irã. Entrou em confronto direto com a Casa Branca ao ir, sem convite do Executivo, ao Congresso dos EUA, de maioria republicana, para pedir que o Legislativo trave qualquer acordo. O discurso de Netanyahu foi boicotado por políticos democratas e condenado por Nancy Pelosa, líder do partido no Congresso. Isaac Herzog, líder da oposição em Israel, declarou que o país não teve nenhuma influência em Viena por culpa de Netanyahu, que deteriorou as relações exteriores do país, inclusive com seu maior aliado. A última cartada do premiê israelense foi uma conta do Twitter em farsi, para criticar o Irã no idioma local. Netanyahu foi o grande perdedor de Viena, dentro e fora de seu país.

Texto de Filipe Figueiredo. 

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