"O que sabemos é uma gota, o que ignoramos é um oceano."
Isaac Newton
A chamada Revolução Científica fora uma série de fatores e mudanças que ocorreram principalmente no século XVII que desencadearam o surgimento das ciências modernas, e ao mesmo tempo levou a se repensar muitos dos conhecimentos até então existentes. Antes da revolução, muitos acreditavam que o mundo fosse plano e o "centro do universo"; durante a revolução tal ideia fora contestada e após a revolução, tal ideia praticamente já estava esquecida, pois o mundo era redondo e girava em torno do sol.
No entanto, a Revolução Científica não ficou apenas restrita a essa ideia, ela repensou a astronomia, a matemática, a física, a química, a biologia, a medicina, anatomia, e em alguns aspectos, a zoologia, microbiologia, fisiologia e até a filosofia. Em geral a revolução se deu no que nós chamamos hoje de ciências exatas e da natureza, nesse caso, medicina estaria ligado ao sentido de natureza. Assim, alguns historiadores das ciências e filósofos das ciências dizem que fora nesse período que o "pensamento do mundo moderno" começou a ganhar características próprias, onde o conhecimento, a visão de mundo, a cultura e a sociedade, começaram a mudar especialmente na Europa, berço dessa revolução e posteriormente, a influência da mesma começou a ser sentida de forma menor e variável pelas colônias europeias no mundo. Nesse texto, falarei a respeito de como essa revolução surgiu, se desenvolveu, seus principais pensadores e até onde ela chegou.
Conceituando a revolução
Alexandre Koyré |
O conceito Revolução Científica fora criado em 1939 pelo proeminente físico, filósofo e historiador das ciências russoAlexandre Koyré (1892-1964), o qual concebeu tal conceito ou expressão como forma de se referir aos eventos e mudanças ocorridos principalmente ao longo do século XVII que culminaram na formação da ciência moderna, pois até então, considerava-se que os antigos gregos, romanos, egípcios judeus, persas, árabes, etc., já possuíam um certo conhecimento que fora considerado "científico", assim, durante a Revolução, a ciência moderna surgiu em si. No entanto, uma pergunta vem em mente, o que é ciência? Será que o conceito atual de ciência poderia ser aplicado no século XVII, ou estaríamos cometendo um anacronismo?
"1. Conjunto organizado de conhecimentos relativo a determinada área do saber, caracterizado por metodologia especifica. - 2. Saber, conhecimento. -3. Conhecimento quem se obtém através das leituras, de estudos; instrução, erudição. - 4. Conhecimento prático usado para uma dada finalidade". (Grande Enciclopédia Larousse Cultural, v. 6, 1998, p. 1402).
Num significado mais amplo, baseado nas conclusões de Marconi e Lakatos[2007], por sua vez, feitas a partir das definições dadas por Ander-Egg e por Trujillo, dois especialistas em filosofia da ciência:
"... a ciência como um pensamento racional, objetivo, lógico, confiável, ter como particularidade o ser sistemático, exato e falível, ou seja, não final e definitivo, pois deve ser verificável, isto é, submetido à experimentação para a comprovação de seus enunciados e hipóteses, procurando-se as relações causais; destaca-se, também, a importância da metodologia que, em última análise, determinará a própria possibilidade de experimentação". (MARCONI; LAKATOS, 2007, p. 23).
Assim, podemos chegar há algumas conclusões: primeiro, o conceito de ciência é um tanto complicado de ser definido, pois na definição dada acima, necessariamente não se incluí as chamadas ciências humanas e sociais, no entanto, nesse contexto não seria um problema, pois a definição de ciências humanas e sociais só surgiu no final do século XIX, logo o que fora dito, pode ser aplicado ao sentido visto na Revolução, pois os estudiosos da época, realmente realizaram observações, propuseram hipóteses, teorias, desenvolveram pesquisas e experimentos.
Logo, podemos dizer que os modernos faziam ciência? Sim. Pelo ponto de vista aqui dado, pode-se dizer que eles faziam ciência, porém aqui chegamos a segunda questão: o termo ciência que hoje usamos para se referir a vários tipos de conhecimentos, sejam das áreas exatas, da natureza, médicas, humanas, sociais, jurídicas, etc., no período moderno, o termo ciência não possuía toda essa abrangência, e em geral era pouco utilizado, a não ser com rara exceções, como fora o caso de Galileu, o qual disse que estava redefinindo a "ciência do movimento".
Assim, o mais sensato a dizer, é que na Idade Moderna, se fez ciência para nosso sentido, mas para os modernos, eles estavam realizando "estudos da natureza", o "conhecimento natural", logo, os mesmos também não se chamavam de "cientistas", pois essa terminologia só fora criada no século XIX, assim dizer que Galileu e Newton foram cientistas, sem fazer a devida ressalva, é cometer um anacronismo. Mas, se o termo cientista não existia naquela época, então como eles se chamavam, se referiam?
Os historiadores hoje apontam três termos pelos quais os estudiosos dessa época se referiam aos seus estudos e a sua profissão: "filosofia natural","nova filosofia" e "filosofia mecânica", logo, os mesmos se chamavam de"filósofos naturais", "filósofos da natureza" ou "filósofos mecânicos".
Porém, nessa época o sentido de filosofia era bem mais abrangente do que nós estamos habitualmente acostumados hoje em dia. Assim como o conceito de ciência é vasto para nós, o mesmo pode-se falar do conceito de filosofia para os modernos, pois no século XV durante o Renascimento, o conceito de filosofia abrangia naturalmente a própria filosofia em si, mas também a história, geografia, matemática, física, química, astronomia, anatomia, arquitetura, engenharia, alquimia, magia, e as artes. Daí, os filósofos do século XVII para especificar seu trabalho, adotaram os termos "novo", "natural" e "mecânico".
Sendo a palavra "natureza" aqui empregada para se referir aos conhecimentos que envolviam o estudo do mundo e da natureza: astronomia, matemática, física, química, zoologia, anatomia, história natural, geografia, etc. Quanto a respeito do termo "mecânico", hoje para nós tal palavra remete-se ao profissional que concerta máquinas e aparelhos, no entanto, no século XVII, as máquinas ainda não existiam, as mesmas só começaram a surgir no século XVIII com a Revolução Industrial. Assim, a palavra "mecânico" naquela época não se referia a "conserto" ou "manutenção", mas sim a "movimento" e "estrutura".
Desde as órbitas dos planetas, a propagação da luz, do som e o movimento dos seres vivos, os filósofos naturais procuraram não apenas compreender seus movimentos mas suas estruturas, algo que ficou bem marcante nos estudos da botânica, zoologia, fisiologia, anatomia e da própria física e astronomia. Daí, alguns dizerem que estudavam "filosofia mecânica".
"O esforço de Galileu para reunir a cinemática e a filosofia natural resultou no que ele chamou de a nova ciência do movimento, que os historiadores ainda veem como um passo decisivo para as teorias subsequentes. Da mesma maneira, a nova extremamente influente filosofia natural de René Descartes (1596-1650), a filosofia mecânica, foi estabelecida a partir de suas tentativas de fundar a filosofia natural sobre as certezas do raciocino geométrico; e a nova filosofia natural de Newton baseou-se, como mostrava o titulo de seu livro, em princípios matemáticos". (HENRY, 1998, p. 16).
Antecedentes da Revolução Cientifica
Embora Alexandre Koyré e outros defendam que a revolução tenha começado no século XVII, alguns argumentam que a mesma teria começado ainda no século anterior, durante a fase do Renascimento na Itália. O período renascentista fora uma fase de transição entre o pensamento medieval para o pensamento moderno. Propriamente, o Renascimento se dividiu em três fases: Trecento, Quattrocento e o Cinquecento, que corresponderia aos séculos XIV, XV e XVI. Mas, embora tenha se iniciada na Itália e tido um grande foco voltado para as artes, os filósofos do Renascimento, não se limitaram apenas a Itália e a estudar as artes, alguns destes dedicaram-se a "redescobrir" o conhecimento dos antigos, e fora a partir dessa "redescoberta" que a "ciência dos antigos" fora trazida a luz do presente daquela época, para ser analisada e contestada.
Saberes provenientes da filosofia, matemática, arquitetura, física, medicina, geografia, astronomia, farmácia, alquimia, etc., foram resgatados, pois ao longo da Idade Média, a Igreja "enclausurou" tais obras em seus mosteiros e bibliotecas, pois considerava tal conhecimento possivelmente pernicioso a humanidade, ou que não tivesse uma aplicação prática concreta.
No Renascimento, em meio a pujança da redescoberta do conhecimento clássico, surgiu a concepção de que o homem não deveria ficar atrelado a ignorância ou apenas a uma área do conhecimento, ele deveria ser apto em outras áreas, assim surgiu o ideal do "homo universalitis". Em termos mais convencionais para nosso entendimento, o dito "homem universal" seria o "cientista" na sua concepção idílica.
Nesse caso, o melhor representante desse modelo fora Leonardo da Vinci (1452-1519). Seu pensamento febril o levou a se interessar em pesquisar e estudar as mas distintas áreas do saber, da matemática a pintura, da poesia a mecânica, da anatomia a arquitetura, do desenho a óptica, em suma, posteriormente nos séculos XVII e XVIII os filósofos naturais enxergariam em Leonardo uma espécie de "herói para a ciência", devido a sua versatilidade de enveredasse por vários campos do conhecimento, sendo muitos desses conseguidos por vias autodidata, algo que não lhe concedeu credibilidade por parte de alguns.
Leonardo da Vinci |
"Leonardo da Vinci foi certamente um homem da ciência, mas em sua época esse aspecto era desconhecido, exceto, talvez, por alguns íntimos. Para o mundo em geral, ele era um mecânico e um artista; sua ciência foi compreendida somente muito depois de sua morte. Certamente, foi uma opção sua, pois, apesar da falta de instrução formal, as invenções da imprensa e da gravura estavam disponíveis, e ele poderia tê-las usado para difundir seu trabalho. Mas ele estava satisfeito em contemplá-los e estudá-los em seu próprio benefício; ter o suficiente para as suas necessidades parece ter sido sua única ambição material". (RONAN, 2001, p. 17).
Outro fato que contribuiu para o desenvolvimento científico e literário no início da Idade Moderna fora a invenção da prensa de tipo móvelconcebida em 1448 pelo alemão Johannes Gutenberg (1399-1468). A criação de Gutenberg fora um passo-chave para o desenvolvimento não apenas cultural do Renascimento mas para as "ciências", já que filósofos naturais de diversas partes do continente e posteriormente do mundo, agora tinham meios mais fáceis de publicarem seus estudos e dessa forma disseminarem o conhecimento.
Albrecht Dürer (1471-1528), matemático e pintor alemão, publicou importantes obras para o estudo da matemática, óptica, estética, perspectiva e pintura. Ele chegou a escrever três livros sobre esses assuntos, e também publicou um trabalho simplista sobre botânica e zoologia, mais voltado para a arte.
Albrecht Dürer (1471-1528), matemático e pintor alemão, publicou importantes obras para o estudo da matemática, óptica, estética, perspectiva e pintura. Ele chegou a escrever três livros sobre esses assuntos, e também publicou um trabalho simplista sobre botânica e zoologia, mais voltado para a arte.
Frontispício de Quatro livros sobre as proporções humanas (Vier Bücher von menschlicher Proportion) de Albrecht Dürer (1528). |
Entretanto alguns conterrâneos seus, Otto Brunfels (1488-1534), Jerome Bock (1498-1554) e Leonhard Fuchs (1501-1566) são considerados os "pais da botânica" na Alemanha. Com exceção de Fuchs que era médico por formação, os demais eram botânicos, filósofos naturais e pastores luteranos. Seus trabalhos eram voltados para uma tendência "científica".
Desenho de um lírio (Lilium bulbiferum), por Leonard Fuchs. |
Nessa mesma época na Polônia, o astrônomo, matemático, médico e jurista Nicolau Copérnico (1473-1543), escrevia sua mais famosa obra, De revolutionibus orbium coelestium (Das revoluções dos mundos celestes), publicada postumamente, gerou grande alarde na época, pelo fato de conter a teoria heliocêntrica, a qual negava a veracidade do modelo ptolomaico. O heliocentrismo apresentado e defendido por Copérnico, se tornou o marco para o inicio da revolução como alguns historiadores consideram. Fora a partir dessa reinterpretação do universo, que os astrônomos e vários outros estudiosos, começaram a contestar a supremacia dos modelos dos antigos. Outro astrônomo que também deixou importantes contribuições fora o dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601) o qual deixou importantes descobertas que contribuíram para mudar a visão cosmológica do mundo e apoiar o posicionamento de Copérnico. Acerca de suas contribuições estão: 1) comprovação de que o céu não era imutável; 2) os cometas não eram fenômenos atmosféricos; 3) os corpos celestes estavam mais distantes do que se supunha; 4) os planetas giravam em torno do Sol; 5) desenvolvimento de aparelhos de precisão para o estudo astronômico; 6) determinação da translação em 365 dias.
Na França, os trabalhos de Pierre Belon (1517-1564), Guillaume Rondelet(1507-1566) e Konrad Gesner (1516-1565) deixaram importantes contribuições no campo da botânica, zoologia, anatomia e da história natural. O volumoso trabalho de Gesner, Historiae Animalium (História dos Animais) é considerado como o precursor da zoologia "cientifica" e da taxionomia.
"A matemática floresceu durante a Renascença e exerceria um importante papel no desenvolvimento de outros ramos da ciência. Durante os estágios iniciais da Revolução Científica, a matemática ajudou esclarecer o comportamento da Lua e dos planetas em seu movimento pelo céu, assim como a resolver alguns problemas básicos de mecânica. O grande desenvolvimento atingiu seu pico nos séculos XVII e XVIII, mas seus fundamentos foram lançados no século XVI". (RONAN, 2001, p. 59).
A medicina não chegou a dá grandes passos, no entanto o campo da anatomia fora o mais expressivo dessa área. Em 1543 o famoso médico e anatomista belga André Vesálio (1514-1564) publicou seu famoso livro A organização do corpo humano (De Humani Corporis Fabrica), considerado a mais importante obra sobre anatomia da Idade Moderna. Vesálio dedicou vários anos de pesquisa e estudo para compor este atlas da anatomia, o qual contribuiu para repensar o estudo e a compreensão do corpo humano e da própria medicina a qual até então era profundamente ainda influenciada pelo pensamento de Galeno.
Mas se por um lado, os estudos naturais, matemáticos, físicos, astronômicos e filosóficos tiveram o que contribuir para se repensar esses saberes e o mundo, outros três fatores importantes que movimentaram os séculos XV e XVI, fora a religião, a magia e a alquimia.
Após Lutero ter pregado suas 95 teses na porta do Castelo de Wittenbergem 31 de outubro de 1517, ele havia acendido o pavio para o que viria ser conhecido como a Reforma Protestante. A Reforma iniciada em solo alemão se espalhou pelos Estados Alemãs, e posteriormente o norte da França, Grã-Bretanha, Países Baixos, Bélgica, Escandinávia, etc., um novo "cisma" entre a cristandade começava a ganhar corpo. Embora as ideias de Lutero não tenham sido inéditas, já que outros cogitavam fazer o mesmo há pelo menos um século, mas fora a voz de Martinho Lutero (1483-1546) que levou adiante essa reforma, que não apenas incidiu sobre o dogmatismo católico, mas na sociedade, na cultura e no próprio pensamento moderno.
"... a Reforma e a Contra-Reforma - viria a ter um efeito profundo no crescimento e na prática da ciência durante a Renascença e por muito tempo mais, como se torna claro quando se traça o progresso da ciência do século XV em diante. Aconteceu em virtude da ética do protestantismo emergente. Por um lado, a atitude protestante em relação ao trabalho encorajou o crescente capitalismo da época no norte da Europa (especialmente Alemanha) e, por outro, estimulou a pesquisa cientifica. O estímulo científico foi causado pelo desejo de usar a descoberta para criar uma figura do universo ordeira e coerente com a finalidade de descobrir ainda mais o trabalho de Deus. Isso ajudou a satisfazer uma necessidade sentida por aqueles para quem os caminhos de Deus com os homens deviam ser discernidos mais na Bíblia e na natureza do que nos mistérios dos sacramentos e da Igreja". (RONAN, 2001, p. 11).
Tal liberdade de trabalho dado aos filósofos naturais, é bem visível, quando falamos de nomes como, Bacon, Kepler, Boyle, Newton e Leibniz. Todos esses foram protestantes, falaram profundamente de filosofia e "ciência", mas acima de tudo, não deixaram de tentar associar religião com "ciência". O próprio João Calvino (1509-1564) fundou várias universidades ou participou da fundação destas, além de ter se formado em Direito.
Após Lutero ter pregado suas 95 teses na porta do Castelo de Wittenbergem 31 de outubro de 1517, ele havia acendido o pavio para o que viria ser conhecido como a Reforma Protestante. A Reforma iniciada em solo alemão se espalhou pelos Estados Alemãs, e posteriormente o norte da França, Grã-Bretanha, Países Baixos, Bélgica, Escandinávia, etc., um novo "cisma" entre a cristandade começava a ganhar corpo. Embora as ideias de Lutero não tenham sido inéditas, já que outros cogitavam fazer o mesmo há pelo menos um século, mas fora a voz de Martinho Lutero (1483-1546) que levou adiante essa reforma, que não apenas incidiu sobre o dogmatismo católico, mas na sociedade, na cultura e no próprio pensamento moderno.
Páginas exibindo 30 das 95 teses escritas por Martinho Lutero |
Tal liberdade de trabalho dado aos filósofos naturais, é bem visível, quando falamos de nomes como, Bacon, Kepler, Boyle, Newton e Leibniz. Todos esses foram protestantes, falaram profundamente de filosofia e "ciência", mas acima de tudo, não deixaram de tentar associar religião com "ciência". O próprio João Calvino (1509-1564) fundou várias universidades ou participou da fundação destas, além de ter se formado em Direito.
"Em Filosofia, pode ocorrer que a contemplação do homem esteja dirigida a Deus, ou se estenda sobre a Natureza, ou se reflita e se volte sobre o próprio Homem. A partir de diversas indagações, emergem três conhecimentos: filosofia Divina, filosofia Natural e filosofia Humana ou Humanidade. Pois todas as coisas estão marcadas e estampadas com este caráter tríplice: o poder de Deus, a diferença da natureza e a utilidade do homem". (BACON, 2007, p. 136).
Giordano Bruno |
Mas se por um lado, o protestantismo não fora tão radical como o catolicismo a respeito da filosofia natural, permitindo que a mesma pudesse ser estudada, desde que não predize-se heresias ou distancia-se os homens de Deus, estava tudo bem em estudar os mais distintos assuntos. No caso da Igreja Católica, embora que durante o Renascimento houvera uma certa "liberdade" nas pesquisas realizadas, a Igreja ainda se mantinha atenta aos trabalhos publicados e caçava os supostos heréticos, um dos famosos casos acerca disso foram as acusações dadas a Galileu, e aGiordano Bruno (1548-1600) o qual acabou sendo sentenciado a execução na fogueira por ter sido sentenciado a crimes de heresia e desvirtuação dos valores cristãos. Embora, Giordano tenha sido um frade dominicano, ele contestava vários preceitos doutrinários da Igreja em relação aos saberes naturais.
Curiosamente, mesmo diante desse embate entre fé e ciência, onde as Inquisições perseguiram os estudiosos, especialmente em Portugal, Espanha e Itália, não significa que os mesmos fossem descrentes ou que não possuíssem fé. Na verdade, o conceito de ateísmo inexistia nessa época, e alguns dos célebres filósofos naturais acreditavam em Deus bem mais do que supúnhamos.
Kepler disse que depois que desenvolveu sua mecânica celeste finalmente pode compreender Deus. Descartes em seu famoso livro O Discurso sobre o Método fala acerca da existência de Deus. Newton chegou a dedicar algum tempo estudando a Bíblia e até mesmo nunca deixou de acreditar que Deus agisse sobre o mundo. "O conceito espaço absoluto de Newton, tão importante para a elaboração de seus Principia mathematica (1687), foi ditado não pelas exigências de sua análise matemática do sistema mundo, mas por seu conceito de Deus". (HENRY, 1997, p. 86).
A religião pode ter fornecido barreiras para o desenvolvimento das "ciências" ou dado novas oportunidades de comprovação e pesquisa, no caso da magia, essa se comportou de forma similar. Mas falar de magia nesse contexto é algo bem complicado quando vamos ver sua definição. Hoje para nós, magia consiste em algo sobrenatural, fora da lógica, porém para o pensamento moderno, especialmente entre o período dos séculos XIV ao XVI, a magia conotava outros significados. A magia ganhou importância e influência no Renascimento especialmente graças ao hermetismo, textos de origem grega atribuídos a suposta divindade Hermes Trismegisto.
"Baseava-se em escritos que se pensava serem originários do Egito, da época de Moisés, e que derivavam ou eram inspirados na divindade egípcia Thot, deus do cálculo e do aprendizado e conselheiro dos deuses do panteão egípcio. Seu equivalente grego era Hermes, e, devido á grande veneração que os gregos tinham pelos mistérios egípcios, ele recebeu, nos tempos helenísticos, a designação adicional de Trismegisto, que significa "três vezes grande"". (RONAN, 2001, p. 12).
Primeira página da Tábua de Esmeralda, traduzida para o latim por Chrysogonus Polydorus, 1541. |
Nesses textos existem um forte teor de filosofia neoplatônica, aristotelismo, alquimia e misticismo, tais conceitos antigos foram revividos graças a tradução realizada por Marsilio Ficino (1433-1499), um dos grandes nomes do humanismo italiano. Ficino se maravilhou com o conhecimento contido em dezoito textos que compõem o conhecimento hermético, sendo os mais conhecidos, chamados de Tábua de Esmeralda e Corpus Hermeticum. A partir de sua tradução, outros filósofos e artistas se interessaram pelo conteúdo dessas obras, e propuseram resgatar a magia, a desassociando de seu caráter negativo construído pelo cristianismo.
No Renascimento a magia diferente de nossa concepção atual que remete há algo puramente ligado ao sobrenatural, naquele tempo, a magia era dividida entre o sobrenatural e o natural, daí ficou conhecida comumente comomagia natural, o que se definia como o estudo da natureza por meio de métodos que hoje podemos dizer que sejam "pré-científicos".
"[A magia] circulou mais ou menos ocultamente durante a Idade Média e voltou a agir às claras durante o Renascimento, período em que muitas vezes foi considerada complemento da filosofia natural, ou seja, como a porte desta que possibilita agir sobre a natureza e dominá-la. Era assim considerada por Pico della Mirandola (De hominus dignitate, fl. 136v.) e por todos os naturalistas do Renascimento". (ABBAGNANO, 1998, p. 636).
"Johannes Reuchlin, Cornélio Agripa, Teofrasto Paracelso, Gerolamo Fracastoro, Gerolamo Cardano, Giovanni Battista della Porta, todos visavam eliminar o caráter diabólico atribuído [a magia] durante a Idade Média". (ABBAGNANO, 1998, p. 636).
NOTA 1: Embora o livro de Konrad Gesner, Historiae Animalium tenha sido considerado um precursor dos estudos da zoologia e da taxionomia, para alguns historiadores seu livro consistiu em uma espécie de bestiário mas bem formulado, pois em seu trabalho, Gesner não apenas retratou animais reais, mas animais fantásticos, como unicórnios, dragões, mantícoras, etc., pois até então acreditava-se que tais criaturas pudessem ser reais.
NOTA 2: Cláudio Galeno (129-217) depois de Hipócrates (460 a.C - 377 a.C) é o mais notório médico da Antiguidade. Fora professor de medicina e médico de alguns imperadores romanos. Dedicou-se ao estudo anatômico e patológico. Sua contribuição ficou profundamente enraizada na medicina europeia que a mesma permaneceu quase inalterada por mais de treze séculos. Embora Galeno tenha deixado importantes contribuições, a medicina europeia era bem atrasada se comparando-a a medicina árabe, indiana e chinesa da mesma época.
NOTA 3: O livro de Bacon, Novum Organum era uma crítica ao trabalho deAristóteles chamado de Organum. Nesse caso, Novum Organum pode ser traduzido como "novo instrumento". Sendo instrumento no sentido de metodologia, técnica, e não de uma ferramenta.
NOTA 4: A invenção do telescópio é creditada ao holandês Hans Lippershey, o qual era vidraceiro e trabalhava com lentes. No entanto várias outras pessoas na mesma época reivindicaram para si a criação do telescópio. Tal fato ainda é debatido hoje.
NOTA 5: Curiosamente, Isaac Newton demonstrava grande interesse para a alquimia, o próprio chegou a estudar meios de conseguir fazer a pedra filosofal.
Referências Bibliográficas:
NOTA 3: O livro de Bacon, Novum Organum era uma crítica ao trabalho deAristóteles chamado de Organum. Nesse caso, Novum Organum pode ser traduzido como "novo instrumento". Sendo instrumento no sentido de metodologia, técnica, e não de uma ferramenta.
NOTA 4: A invenção do telescópio é creditada ao holandês Hans Lippershey, o qual era vidraceiro e trabalhava com lentes. No entanto várias outras pessoas na mesma época reivindicaram para si a criação do telescópio. Tal fato ainda é debatido hoje.
NOTA 5: Curiosamente, Isaac Newton demonstrava grande interesse para a alquimia, o próprio chegou a estudar meios de conseguir fazer a pedra filosofal.
Referências Bibliográficas:
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BACON, Francis. O progresso do conhecimento. São Paulo, Editora UNESP, 2007.
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CASSIRER, Ernst. A filosofia do Iluminismo. Tradução de Álvaro Cabral, 2aed, Campinas, SP, Editora da UNICAMP, 1994. (Coleção Repertórios). (Capítulo 1).
DESCARTES, René. Meditações sobre Filosofia Primeira. Tradução de Fausto Castilho. Ed. bilíngue em latim e português, Campinas, SP, Editora da UNICAMP, 2004.
DESCARTES, René. Discurso do método. Tradução de Paulo Neves, Porto Alegre, L&PM, 2010.
EPSTEIN, Isaac. Revoluções Científicas. São Paulo, Ática, 1988.
GOLDFARB-ALFONSO, Ana Maria. Da alquimia à química. São Paulo, Editora Landy, 2001.
GRANDE Enciclopédia Larousse Cultural, v. 6, São Paulo, Nova Cultural, 1998.
GRANDE Enciclopédia Larousse Cultural, v. 8, São Paulo, Nova Cultural, 1998.
GRANDE Enciclopédia Larousse Cultural, v. 13, São Paulo, Nova Cultural, 1998.
GRANDE Enciclopédia Larousse Cultural, v. 20, São Paulo, Nova Cultural, 1998.
HENRY, John. A Revolução Científica e as origens da ciência moderna. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998.
HIRSHFELD, Alan. O enigma do centro do universo. BBC Revista História, São Paulo, v. 12, p. 62-67, 2009.
JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário básico de filosofia. 3a ed, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996.
KOYRÉ, Alexandre. Estudos de História do Pensamento Científico. Tradução e revisão de Márcio Ramalho, Rio de Janeiro, Ed. Forense Universitária; Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1982. (Coleção Campo teórico).
KOYRÉ, Alexandre. Do mundo fechado ao universo infinito. Tradução de Donaldson M. Garsehagen, 4a ed, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2006.
KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. 5a edição, São Paulo, Editora Perspectiva, 1997.
MARCONI, Maria de A; LAKATOS, Eva M. Metodologia Científica. 4ª ed. 3ª. reimpressão, São Paulo, Atlas, 2006.
OLIVEIRA, Silvio Luiz de. Tratado de Metodologia Cientifica: Projetos de Pesquisas, TGI, TCC, Monografias, Dissertações e Teses. São Paulo, Pioneira, 1997.
RONAN, Colin A. História Ilustrada da Ciência da Universidade de Cambridge, volume 3: da Renascença à revolução cientifica. Tradução de Jorge Enéas Fortes, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001.
ROSSI, Paolo. A Ciência e a Filosofia dos modernos. Tradução de Álvaro Lorencini, São Paulo, Editora da UNESP, 1992.
SERJEANTSON, Richard. Um novo pensar. BBC Revista História, São Paulo, v. 12, p. 72-74, 2009.
Fonte: Seguindo os Passos da história.
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