terça-feira, 11 de agosto de 2015

Superexposição, internet e egos inflados: a ostentação nos dias de hoje!

“O Importuno”, obra de Almeida Júnior (1899).


Apesar dos grandes problemas que a humanidade enfrenta, as “polêmicas” envolvendo celebridades são as notícias que mais atraem atenção. Uma apresentadora expõe as fotos de suas babás, outra conta que já foi garota de programa, alguém lança uma biografia recheada de escândalos, outra posta fotos da gravidez, um jogador de futebol anuncia a troca de namorada, e todos exibem imagens de seus corpos, milimetricamente retocados, corrigidos ou modificados. E as pessoas respondem enlouquecidamente a esses estímulos: defendem ou atacam o comportamento dos famosos, acompanham cada passo de suas vidas, ficam indignados com as críticas.

Sempre houve, é verdade, um fascínio pela vida dos poderosos. Antigamente, os alvos eram reis, rainhas e a nobreza, em geral. O povo estava atento às suas vestimentas e joias, além de seu comportamento em público e vida amorosa. “No passado, ocupar-se da sexualidade dos reis não era considerado subversivo, e as amantes saudadas como troféus que provavam a virilidade do soberano, tudo mudou depois da revolução Francesa. A sexualidade se tornou uma metáfora política na moda. Os pasquins ou a literatura serviam para fazer acusações e cobriam as paredes da cidade. Uma amante passou a ser prova de fraqueza. e não de vigor. Um rei que, à maneira dos sultões orientais, se deixava dominar pelas paixões, levava à ruína do país”, conta Mary del Priore.

A noção de privacidade mudou ao longo do tempo. No período colonial, por exemplo, as classes populares, não desfrutavam do luxo da privacidade: as pessoas dormiam em redes, esteiras ou em raríssimos catres compartilhados por muitos membros da família.  Os cômodos serviam para dormir e muito mais, incluindo receber visitas, rezar, comer e cozinhar. Entre os mais abastados, ter muitos quartos nas residências não significava garantia de privacidade. Todos davam para o mesmo corredor e raramente tinham janelas. “Ouvidos indiscretos estavam em toda a parte. Frestas nas paredes permitiam espiar. Chaves eram artefatos caríssimos e as portas, portanto, não se trancavam”, explica Mary.

No Brasil, a intimidade e a privacidade ganharam força em meados do século XIX, com a urbanização e o aburguesamento de nossos costumes. Passou-se a valorizar o espaço privado, restrito a amigos e familiares. Surgia um novo padrão de convivência social, não mais identificado com a vida constantemente vigiada pela comunidade, fortalece-se a família nuclear consolidada no ocidente industrial, dita “burguesa”. Começava-se a distinguir mais claramente as esferas pública e privada.

A chegada da Família Real Portuguesa, em 1808, deu um novo fôlego à vida cultural e social do Rio de Janeiro. E também foi um prato cheio para os fofoqueiros da época. As más línguas adoravam especular sobre os supostos casos amorosos da princesa Carlota Joaquina. Seu filho, o futuro imperador D. Pedro I, com seus incontáveis relacionamentos amorosos, apimentou as conversas e panfletos. Até o circunspecto D. Pedro II, e seus amores discretos, serviu de assunto para os curiosos. Pasquins e outras publicações recheavam suas páginas com os escândalos dos poderosos.

A superexposição, entretanto, é uma característica dos nossos dias, potencializada pelo fato de vivermos conectados à internet de maneira obsessiva. Expor-se também é uma mania entre os que não são celebridades, pois, todos adoram exibir fotos de suas viagens, refeições, festas, roupas e presença em eventos culturais. Mulheres precisam dividir com estranhos as delícias da maternidade e da amamentação, casais se esforçam para anunciar sua felicidade irretocável, pais querem exibir fotos de seus filhos, ex-gordinhos adoram mostrar o resultado da dieta. Há uma necessidade de registrar cada passo que damos. Somos quase obrigados a exibir nossas alegrias e tristezas, a ostentar uma vida perfeita ou, nos momentos difíceis, a mendigar o apoio de desconhecidos para nossas dores.

“Se a ideia de interioridade dava consistência à vida dos indivíduos no passado, hoje, vivemos, apenas, o instantâneo. Em toda a parte, maior dose de superexposição é possível por meio de redes e da mídia e o exibicionismo é uma das motivações para seu uso. Expõe-se o ego, sem meios termos. Habitamos uma sociedade narcisista e confessional”, resume Mary del Priore. Não sei exatamente aonde esse culto exagerado ao ego vai nos levar, mas não me parece um caminho muito promissor. Até quando nos contentaremos em expor o simulacro das nossas vidas?  Até quando nos trará satisfação apreciar as representações das vidas alheias? O que nos restará então?

Fonte: História Hoje.

Nenhum comentário:

Postar um comentário