terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Maiakóvski "O poeta da Revolução"

"Eu não forneço nenhuma regra para que uma pessoa se torne poeta e escreva versos. E, em geral, tais regras não existem. Chama-se poeta justamente o homem que cria estas regras poéticas."



BIOGRAFIA:

Em 1906, após a morte de seu pai, muda-se com a família para Moscou. Aos 15 anos ingressa no Partido Bolchevique e é preso duas vezes, sendo que na última permanece onze meses encarcerado, quando aproveita para leitura de todas as obras clássicas. Em 1910, ingressa na Escola de Belas Artes, de onde é expulso quatro anos depois, quando já se encontra ligado ao movimento futurista. Era o expoente de uma geração em busca de uma estética que captasse a profundidade daquelas inquietações russas. A partir da Revolução de 1917 sua atividade literária se intensifica unido a atividade política. Participa das comissões de literatura, pintura e cinema. Começa a ser tachado pelos burocratas do Partido de "incompreensível para as massas". Maiakóvski busca demonstrar seu engajamento fazendo cartazes e poemas de exaltação ao Regime Soviético. Nos últimos três anos de vida, levou seus versos a mais de 180 mil pessoas, em conferências e recitais por várias cidades. Nunca aceitou a imposição de escrever o vazio óbvio como os poetas proletários insistiam. Dizia "vangloriam-se alguns do fato de a nossa leitura ser florida como um jardim".
Suicidou-se talvez pela falta de perspectivas que via para a sua arte, talvez pelos problemas de saúde, estava com a garganta abalada e percebia que não poderia recitar mais, talvez pelos relacionamentos amorosos infelizes. Além das poesias e roteiros dos filmes escreveu as peças teatrais Mistério Bufo (1918 e 1920) e O Percevejo (1929) dirigidas por Meyerhold, Eu, Vladimir Maiakóvski (1913) e Os Banhos (1930).

A FLAUTA VÉRTEBRA

A todos vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.

Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.

(tradução: Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman)
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BLUSA FÁTUA


Costurarei calças pretas
com o veludo da minha garganta
e uma blusa amarela com três metros de poente.
pela Niévski do mundo, como criança grande,
andarei, donjuan, com ar de dândi.

Que a terra gema em sua mole indolência:
"Não viole o verde de as minhas primaveras!"
Mostrando os dentes, rirei ao sol com insolência:
"No asfalto liso hei de rolar as rimas veras!"

Não sei se é porque o céu é azul celeste
e a terra, amante, me estende as mãos ardentes
que eu faço versos alegres como marionetes
e afiados e precisos como palitar dentes!

Fêmeas, gamadas em minha carne, e esta
garota que me olha com amor de gêmea,
cubram-me de sorrisos, que eu, poeta,
com flores os bordarei na blusa cor de gema!

(tradução: Augusto de Campos)
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O AMOR
 
Um dia, quem sabe,
Ela que também gostava de bichos,
apareça numa alameda do zoo, 
sorridente,
tal como agora está no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela, que por certo, hão de ressuscitá-la
Vosso Trigésimo século ultrapassará o exame de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então, de todo amor não terminado
seremos pagos em enumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo cotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravos de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada, 
não vos seja chorado, mendigado.
E que ao primeiro apelo:
- Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o universo;
a mãe,
pelo menos a terra.
(1923)
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AMO
COMUMENTE É ASSIM
Cada um ao nascer
traz sua dose de amor,
mas os empregos,
o dinheiro,
tudo isso,
nos resseca o solo do coração.
Sobre o coração
levamos o corpo,
sobre o corpo
a camisa
mas isto é pouco.
Alguém
imbecilmente
inventou os punhos
e sobre os peitos
fez correr o amido de engomar.
Quando velhos se arrependem.
A mulher se pinta.
O homem faz ginástica pelo sistema Mulher.
Mas é tarde.
A pele enche-se de rugas.
O amor floresce,
floresce,
e depois desfolha.
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GAROTO
 
Fui agraciado com o amor sem limites.
Mas, quando garoto,
a gente preocupada trabalhava
e eu escapava para as margens do rio Rion
e vagava sem fazer nada.
Aborrecia-se minha mãe:
"Garoto danado!" 
Meu pai me ameaçava com o cinturão.
Mas eu, com três rublos falsos, 
jogava com os soldados sob os muros. 
Sem o peso da camisa,
sem o peso das botas,
de costas ou de barriga no chão,
torrava-me ao sol de Kutaís   
até sentir pontadas no coração. 
O sol assombrava:
"Daquele tamainho 
e com um tal coração!
Vai partir-lhe a espinha!
Como, será que cabem
nesse tico de gente
o rio,
o coração,
eu
e cem quilômetros de montanhas?"
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ADOLESCENTE
 
A juventude de mil ocupações.
Estudamos gramática até ficar zonzos.
A mim me expulsaram do quinto ano e fui entupir os cárceres de Moscou 
Em nosso pequeno mundo caseiro
brotam pelos divãs poetas de melenas fartas.
Que esperar desses líricos bichanos?
Eu, no entanto, aprendi a amar no cárcere.
Que vale comparado com isto a tristeza dos bosques de Boulogne?
Que valem comparados com isto
suspirosante a paisagem do mar?
Eu, pois, me enamorei da janelinha da cela 103
da "oficina de pompas fúnebres
Há gente que vê o sol todos os dias e se enche de presunção.
Não valem muito esses raiozinhos dizem.
Eu, então, por um raiozinho de sol amarelo dançando em minha parede teria dado todo um mundo.
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MINHA UNIVERSIDADE
 
Conheceis o francês sabeis dividir, multiplicar, declinar com perfeição.
Pois, declinai! 
Mas sabeis por acasos cantar em dueto com os edifícios?
Entendeis por acaso a linguagem dos bondes? 
O pintainho humano mal abandona a cascas atraca-se aos livro e as resmas de cadernos.
Eu aprendi o alfabeto nos letreiros folheando páginas de estanho e ferro.
Os professores tomam a terra e a descarnam e a descascam para afinal ensinar:
"Toda ela não passa dum globinho!" 
Eu com os costados aprendi geografia.
Os historiadores levantam a angustiante questão:
- Era ou não roxa a barba de Barba Roxa?
Que me importa! Não costumo remexer o pó dessas velharias.
Mas das ruas de Moscou conheço todas as histórias.
Uma vez instruídos, há os que se propõem a agradar às damas, fazendo soar no crânio suas poucas idéias,como pobres moedas numa caixa de pau.
Eu, somente com os edifícios,conversava. 
Somente os canos respondiam. 
Os tetos como orelhas espichando suas lucarnas aguardavam as palavras que eu lhes deitaria.
Noite a dentro uns com os outros palravam girando suas línguas de catavento.
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ADULTOS
 
Os adultos fazem negócios.
Têm rublos nos bolsos.
Quer amor? Pois não!
Ei-lo por cem rublos!
E eu, sem casa e sem teto, com as mãos metidas nos bolsos rasgados, vagava assombrado.
À noite vestis os melhores trajes e ides descansar sobre viúvas ou casadas.
A mim Moscou me sufocava de abraços com seus infinitos anéis de praças. 
Nos corações, no bate o pêndulo dos amantes.
Como se exaltam as duplas no leito do amor! 
Eu, que sou a Praça da Paixão, surpreendo o pulsar selvagem do coração das capitais. 
Desabotoado, o coração quase de fora, abria-me ao sol e aos jatos díágua. 
Entrai com vossas paixões! Galgai-me com vossos amores! 
Doravante não sou mais dono de meu coração! 
Nos demais - eu sei, qualquer um o sabe!
O coração tem domicílio no peito.
Comigo a anatomia ficou louca. 
Sou todo coração - em todas as partes palpita. 
Oh! Quantas são as primaveras em vinte anos acesas nesta fornalha! 
Uma tal carga acumulada torna-se simplesmente insuportável. 
Insuportável não para o versos de veras. 
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O QUE ACONTECEU
 
Mais do que é permitido,
mais do que é preciso, 
como um delírio de poeta sobrecarregando o sonho: 
a pelota do coração tornou-se enorme, enorme o amor, enorme o ódio. 
Sob o fardo, as pernas vão vacilantes. 
Tu o sabes, sou bem fornido, entretanto me arrasto, apêndice do coração, vergando as espáduas gigantes. 
Encho-me dum leite de versos e, sem poder transbordas, encho-me mais e mais.
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CLAMO
 
Levantei-me como um atleta,
levei-o como um acrobata,
como se levam os candidatos ao comício,
como nas aldeias se toca a rebate nos dias de incêndio. 
Clamava: "Aqui está, aqui! Tomai-o!" 
Quando este corpanzil se punha a uivar, as donas disparando pelo pó, pelo barro ou pela neve, como um foguete fugiam de mim.
 - "Para nós, algo um tanto menor, algo assim como um tango...
" Não posso levá-lo e carrego meu fardo. Quero arremessá-lo fora e sei, não o farei.
Os arcos de minhas costelas não resistem.
Sob a pressão range a caixa torácica. 
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TU
 
Entraste. 
A sério, olhaste a estatura, o bramido e simplesmente adivinhaste:
uma criança. 
Tomaste, arrancaste-me o coração e simplesmente foste com ele jogar como uma menina com sua bola. 
E todas, como se vissem um milagre, senhoras e senhorias exclamaram:
- A esse amá-lo? 
Se se atira em cima, derruba a gente! 
Ela, com certeza, é domadora! Por certo, saiu duma jaula! 
E eu júbilo esqueci o julgo. 
Louco de alegria saltava como em casamento de índio, tão leve, tão bem me sentia. 
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IMPOSSÍVEL
 
Sozinho não posso carregar um piano e menos ainda um cofre-forte.
Como poderia então retomar de ti meu coração e carregá-lo de volta?
Os banqueiros dizem com razão: "Quando nos faltam bolsos, nós que somos muitíssimo ricos, guardamos o dinheiro no banco". 
Em ti depositei meu amor, tesouro encerrado em caixa de ferro, e ando por aí como um Creso contente. 
É natural, pois, quando me dá vontade, que eu retire um sorriso, a metade de um sorriso ou menos até e indo com as donas eu gaste depois da meia-noite uns quantos rublos de lirismo à toa. 
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O QUE ACONTECEU COMIGO
 
 As esquadras acodem ao porto. 
O trem corre para as estações. 
Eu, mais depressa ainda, vou a ti, atraído, arrebatado, pois que te amo. 
Assim como se apeia o avarento cavaleiro de Púchkin
alegre por encafuar-se em seu sótão, assim eu regresso a ti, amada, com o coração encantado de mim. 
Ficais contentes de retornar à casa.
Ali vos livrais da sujeira, raspando-vos, lavando-vos, fazendo a barba. 
Assim retorno eu a ti. 
Por acaso, indo a ti não volto à minha casa? 
Gente terrena ao seio da terra volta. 
Sempre volvemos à nossa meta final. 
Assim eu, em tua direção me inclino apenas nos separamos mal acabamos de nos ver. 
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DEDUÇÃO
 
Não acabarão com o amor, nem as rusgas, nem a distância. 
Está provado, pensado, verificado. 
Aqui levanto solene minha estrofe de mil dedos e faço o juramento:
Amo firme, fiel e verdadeiramente. (1922)
* = Antiga praça de Moscou, atual Praça Púchkin. A Propósito Disto *
A Fé Distendei vossa espera o quanto quiserdes - tão clara, duma clareza tão alucinante é minha visão que, dir-se-ia, bastava o tempo de liquidar esta rima, para, grimpando ao longo do verso, entrar numa vida maravilhosa.
Eu não preciso indagar o que e como. 
Vejo-o, nítido, até os último detalhes, no ar, camada sobre camada, como pedra sobre pedra. 
Vejo erguer-se, fulgurando no pináculo dos séculos, isento de podridões ou poeiras, o laboratório das ressurreições humanas. 
Eis o calmo químico, a vasta fronte franzida em meio à experiência . 
Num livro, "Toda a terra" procura ele um nome. 
"O Século Vinte...vejamos, a quem ressuscitar? 
A Maiacóvski talvez... 
Não, busquemos matéria mais interessante! 
Não era bastante belo esse poeta Será então minha vez de gritar daqui mesmo, desta página de hoje: 
"Pára, não folheies mais! É a mim que deves ressuscitar!"
A Esperança Injeta sangue no meu coração, enche-me até o bordo das veias! Mete-me no crânio pensamentos! 
Não vivi até o fim o meu bocado terrestre , sobre a terra não vivi o meu'bocado de amor. 
Eu era gigante de porte, mas para que este tamanho? 
Para tal trabalho basta uma polegada. Com um toco de pena, eu rabiscava papel, num canto do quarto, encolhido, como um par de óculos dobrado dentro do estojo. Mas tudo que quiserdes eu farei de graça: esfregar, lavar, escovar, flanar, montar guarda. Posso, se vos agradar, servir-vos de porteiro. 
Há, entre vós, bastante porteiros? 
Eu era um tipo alegre, mas que fazer da alegria, quando a dor é um rio sem vau? Em nossos dias, se os dentes vos mostrarem não é senão para vos morder ou dilacerar. 
O que quer que aconteça, aflições, pesar... Chamai-me! 
Um sujeito engraçado pode ser útil. 
Eu vos proporei charadas, hipérboles e alegorias, malabares dar-vos-ei em versos. 
Eu amei...mas é melhor não mexer nisso. Te sentes mal? Tanto pior... Gosta-se, afinal, da própria dor. Vejamos... Amo também os bichos - vós os criais, em vossos parques? Pois, tomai-me para guarda dos bichos. Gosto deles. Basta-me ver um desses cães vadios, como aquele de junto à padaria, um verdadeiro vira-lata! e no entanto, por ele, arrancaria meu próprio fígado: Toma, querido, sem cerimônia, come! 
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ESCÁRNIOS
Desatarei a fantasia em cauda de pavão num ciclo de matizes, entregarei a alma ao poder do enxame das rimas imprevistas.
Ânsia de ouvir de novo como me calarão das colunas das revistas esses que sob a árvore nutriz es-
cavam com seus focinhos as raízes.
(tradução:  Augusto de Campos e Boris Schnaiderman)
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EU
Nas calçadas pisadas de minha alma
passadas de loucos estalam
calcâneo de frases ásperas
Onde forcas esganam cidades
e em nós de nuvens coagulam
pescoço de torres oblíquas
só soluçando eu avanço por vias que se encruzilham
à vista de crucifixos polícias
(tradução:  Haroldo de Campos)
 
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FRAGMENTOS
1
Me quer ? Não me quer ? As mãos torcidas
os dedos despedaçados um a um extraio
assim tira a sorte enquanto no ar de maio
caem as pétalas das margaridas
Que a tesoura e a navalha revelem as cãs e
que a prata dos anos tinja seu perdão penso
e espero que eu jamais alcance
a impudente idade do bom senso
2
Passa da uma
você deve estar na cama
Você talvez sinta o mesmo no seu quarto
Não tenho pressa
Para que acordar-te com o relâmpago
de mais um telegrama
3
O mar se vai
o mar de sono se esvai
Como se diz: o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites
Inútil o apanhado
da mútua dor mútua quota de dano
4
Passa de uma você deve estar na cama
À noite a Via Láctea é um Oka de prata
Não tenho pressa para que acordar-te
com relâmpago de mais um telegrama
como se diz o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites inútil o apanhado
da mútua do mútua quota de dano
Vê como tudo agora emudeceu
Que tributo de estrelas a noite impôs ao céu
em horas como esta eu me ergo e converso
com os séculos a história do universo
5
Sei o puldo das palavras a sirene das palavras
Não as que se aplaudem do alto dos teatros
Mas as que arrancam caixões da treva
e os põem a caminhar quadrúpedes de cedro
Às vezes as relegam inauditas inéditas
Mas a palavra galopa com a cilha tensa
ressoa os séculos e os trens rastejam
para lamber as mãos calosas da poesia
Sei o pulso das palavras parecem fumaça
Pétalas caídas sob o calcanhar da dança
Mas o homem com lábios alma carcaça.
(tradução:  Augusto de Campos)


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